Anna Maria Niemeyer: um caminho no Paço Imperial

Acho que uma das maiores vantagens de se trabalhar no Centro é estar a poucos minutos de distância da museum mile carioca: da Cinelândia à Candelária, temos a Casa França-Brasil, o CCBB, os Correios, o Paço Imperial, a Caixa Cultural, o MNBA, o Centro Cultural da Justiça Federal… e quem quiser esticar ainda mais um pouquinho essa milha, pode fechar o circuito no Aterro do Flamengo, atravessando a passarela em direção ao MAM.

Anna Maria Niemeyer: um caminho foi a exposição que escolhi para iniciar a temporada cultural 2013. Ano passado, fui a aproximadamente 15 delas no Rio de Janeiro, e mais 15 por outras paragens — mais de uma a cada duas semanas no total, ou mais de uma por mês só por aqui mesmo. Achei que o ano passado foi muito prolífico para a cidade, com lindos e grandes projetos como o Gormley e o Impressionismo no CCBB ou Visconti no MAM, ou pequenas e sensíveis curadorias como Goeldi e Dostoiévski e Dalí e Dante Allighieri na Caixa Cultural ou Doisneau no Centro Cultural da Justiça. Torço para que esse ano seja ainda melhor…

A exposição que homenageia Anna Maria Niemeyer é bastante emocionante; uma homenagem voluntária e íntima a esta mulher que foi uma das mais sutis e importantes engrenagens da cena artística do Rio de Janeiro; e uma outra. involuntária, ao arquiteto que se confunde com a história política e o patrimônio cultural de nosso país; seu pai Oscar, que talvez não por acaso, faleceu poucos meses após a única filha, a semanas de seu 105º aniversário.

Organizada no Paço Imperial que ela própria ajudou a revitalizar e por intermédio do qual desabrochou sua decisiva participação no projeto do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, o MAC, a exibição é uma passagem emocionada por pequenas coleções de obras de artistas em cujas carreiras ela exerceu importante influência, notadamente através de exposições em suas galerias na Gávea. A mostra, ainda, vem apresentar gravuras do pai Niemeyer pertencentes ao acervo pessoal da galerista; em tempos de glórias ao arquiteto falecido, revive o marxista intelectualmente ativo, de mensagens simples, de conteúdo diretamente acessível, em uma linguagem que transfere ao seu posicionamento político a mesma clareza que se evidencia em toda sua estética.

Fodido não tem vez; Todos Contra Bush (Amazônia); Milhões de bombas em Bagdá. É o ser humano degradado neste fim de séculoOscar Niemeyer
Fodido não tem vez;
Todos Contra Bush (Amazônia);
Milhões de bombas em Bagdá. É o ser humano degradado neste fim de século
Oscar Niemeyer

A arquitetura brasiliense — o irônico projeto estético de um marxista que satisfez um outro, de caráter político, que proporcionou a alienação do Estado brasileiro, e em última análise, transmutou-se no símbolo da ditadura militar que seguiu-se brevemente à mudança de capital — também não deixa de figurar entre as reflexões serigrafadas de Niemeyer, e impossível não notar a poesia subjacente à subversão de significado que o recente protesto capitaneado pela funkeira MC Bandida contra a candidatura de Renan Calheiros à presidência do Senado dá à  gravura Mulheres e o Congresso:

MC Bandida protesta contra a corrupção
Em oglobo.globo.com – MC Bandida protesta contra a corrupção. Crédito da imagem: Ailton de Freitas, agência O Globo
Mulheres e CongressoOscar Niemeyer
Mulheres e Congresso
Oscar Niemeyer

E saindo do seio da produção da própria família Niemeyer, somos recompensados com muito do que há de melhor em arte contemporânea brasileira. Encontramos ali a delicada homenagem à feminilidade tão pessoal das artesãs nordestinas, estampada nos belos trabalhos de Beatriz Milhazes;

Beatriz Milhazes
Beatriz Milhazes
Beatriz Milhazes
Beatriz Milhazes (agradeço auxílio com os títulos. Falha minha…)

a iminência de gigantescas gotas sugeridas pelas imensas torneiras de madeira de Luiz Ernesto (aqui me lembro da 30ª Bienal de São Paulo);

Relação Platônica (torneiras) e De Circunstância (tábua de madeira com camisa esculpida em mármore)
Luiz Ernesto, 1999

o mais belo jogo de xadrez que já vi, de João Goldberg (a imagem não reproduz sua delicadeza);

Xadrez Robin, João Goldberg
Xadrez Robin
João Goldberg

o trânsito fácil entre duas e três dimensões, opaco, translúcido, curva, reta, nos dois trabalhos de Iole de Freitas lá exibidos, quase que nos lembrando novamente do pai da homenageada;

Iole de Freitas
Iole de Freitas

as cabritas e bodes de Jorge Duarte;

Cabritas e bodes Jorge Duarte, 2008
Cabritas e bodes, a pintura,  e escultura cujo título lamentavelmente  não capturei)
Jorge Duarte, 2008

a última e bela instalação, não realizada, para exibição na galeria Anna Maria Niemeyer, de Fátima Villarin…

Sete irmãos
Fátima Villarin, 2012

E a boca suja de Victor Arruda, os balões de Deneir, e em suma, uma bela coleção do que se fez de em arte nas últimas décadas no Brasil ali está, entremeado de amorosas lembranças de artistas e colegas que ao longo de fiéis relacionamentos à moda antiga, de conversa longa, café, cigarro, álcool e luz baixa, se fizeram também amigos queridos.

A exposição está em cartaz desde dezembro. Para quem ainda não aproveitou, a hora é agora: permanece por lá somente até a semana seguinte ao Carnaval. Uma sugestão para o feriado…

Visitação
até 17 de fevereiro de 2013
terça a domingo, das 12 às 18h

Centro Cultural Paço Imperial
Praça XV de Novembro, 48 – Centro
entrada gratuita

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